Saúde do homem: reeducar para prevenir

Para melhor reconhecimento e abordagem sobre a saúde do homem, devemos compreender as barreiras sócio-culturais, biológicas e comportamentais sobre a realidade singular masculina. A adoção de medidas de promoção da saúde do homem, quando pautadas pelo princípio da equidade, poderão contribuir com respostas biopsicossociais positivas desta população.

Ter o conhecimento sobre suas vulnerabilidades é o primeiro passo para agir sobre a causa da má adesão masculina no acesso e continuidade do acompanhamento nos serviços de saúde.

Ainda hoje, o principal agravante da morbimortalidade no homem, frente às principais doenças e comorbidades é a resistência masculina em buscar a Atenção Primária: a adesão tardia e focada no tratamento ao invés das medidas preventivas de saúde.

Aproximadamente, 75% das enfermidades e agravos dessa população concentram-se em cinco grandes especialidades: cardiologia, urologia, saúde mental, gastroenterologia e pneumologia. Juntas, apresentam como fator principal de melhor prognóstico a adesão às medidas preventivas, pois apresentam causas bem conhecidas para controle adequado.

Equidade é um dos princípios doutrinários do Sistema Único de Saúde (SUS).
Busca-se, com este princípio, o reconhecimento das diferenças nas condições de vida e saúde e nas necessidades das pessoas, considerando que o direito à saúde passa pelas diferenças sociais e deve atender a diversidade.

Quando falamos sobre a saúde do homem, principalmente quando o assunto é a prevenção e o rastreamento de doenças, quase que imediatamente nos lembramos do câncer de próstata. Bem, isso não ocorre ao acaso: o câncer de próstata é o mais comum entre os homens, correspondendo a quase 30% dos tumores primários, segundo projeções estatísticas de 2020 do Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva (INCA)/Ministério da Saúde.

No Brasil, estima-se que para cada ano do triênio 2020-2022 ocorrerão 625 mil casos novos de câncer, sendo, nos homens, o de próstata o segundo mais comum (29,2%), seguido pelos tumores de cólon e reto (9,1%), pulmão (7,9%), estômago (5,9%) e cavidade oral (5,0%). Com esses dados, fica evidente a necessidade de fortalecer a vigilância e prevenção não somente pelos gestores e profissionais da saúde, mas pela sociedade em geral. O primeiro passo para a prevenção é o autoconhecimento!

CÂNCER DE PRÓSTATA

De acordo com a mais recente estimativa mundial (2018), dentre os 18 milhões de casos novos de todos os tipos de câncer, o tumor de próstata ocupa o quarto lugar geral e é o segundo mais comum nos homens, com uma incidência de cerca de 1,3 milhão. Estima-se que em 2020 ocorram mais 65.840 novos casos (INCA). Em 2018, o Brasil registrou 15.576 mortes por câncer de próstata.

O câncer de testículo é o tumor sólido mais comum no homem!

O tumor de próstata é o tumor sólido mais comum no homem. Sua prevalência aumenta de acordo com o avanço da idade (principal fator de risco), principalmente após os 50 anos. Outros fatores de risco são: presença de câncer de próstata em um familiar (principalmente aqueles que tiveram diagnóstico de câncer de próstata antes dos 65 anos), fatores genéticos (alterações específicas no gene), etnia negra e exposição a produtos (aminas aromáticas, arsênio, produtos de petróleo, motor de escape de veículo, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, fuligem, dioxinas). O excesso de gordura corporal aumenta o risco de câncer de próstata em estágio avançado.

Você conhece alguém da sua família com câncer de próstata?
O risco aumenta se você tiver um parente de primeiro grau com diagnóstico antes dos 65 anos.

Frequentemente, o câncer de próstata apresenta evolução inicial silenciosa, não apresentando nenhum sintoma na grande maioria dos casos. Quando presentes, os sintomas costumam ser semelhantes àqueles causados por tumores benignos, sensação de urgência para urinar,aumento da frequência para urinar de dia ou à noite. Quando em estágios avançados, a doença pode causar dor óssea, sintomas urinários mais intensos e infecção generalizada.

Provavelmente você já deve ter ouvido falar sobre o exame do toque retal ou do exame de dosagem do PSA (antígeno prostático específico) no rastreio do câncer de próstata entre os 50 e 70 anos. Mas você sabia que o uso do rastreio para a detecção precoce de câncer de próstata é controverso e que não é recomendado pelo próprio Ministério da Saúde? Mas cuidado, isso não significa que o exame é contraindicado! Atualmente, não há indicação para o rastreio de todos os homens à procura do câncer de próstata em sua fase precoce, portanto deve-se sempre buscar a orientação médica e compartilhar essa decisão.

Quando devo recomendar o rastreio para o câncer de próstata?
Idade entre 50 e 74 anos, sempre levando em conta os possíveis riscos e benefícios
Homens com menos de 50 anos ou mais de 75 anos, somente quando apresentarem alto risco.

O toque retal e a dosagem do PSA são recursos que aumentam a probabilidade de detecção da existência do câncer de próstata e, somente quando houver essa suspeita a biópsia (retirada de amostras do tecido da próstata para análise laboratorial) está indicada para a obtenção do diagnóstico preciso.

Por meio da biópsia realiza-se o estadiamento da doença para, então, definir o prosseguimento do cuidado. À depender do resultado obtido neste processo, o paciente pode ser apenas orientado a retornar para nova avaliação futuramente. Ou ser submetido aos tratamentos, como retirada da próstata, radioterapia, terapia hormonal ou quimioterapia.

CÂNCER DE TESTÍCULO 

Bem menos frequente que o câncer de próstata, o tumor de testículo corresponde a 5% do total dos casos de câncer no homem, mas esse percentual deve ser interpretado com muita cautela. O câncer de testículo é o tumor sólido mais frequente no homem em idade produtiva (entre 15 e 50 anos), com ocorrência rara antes dos 13 anos (0,5 a 2 para cada 100.000 homens).

O câncer de testículo é o tumor sólido mais frequente no homem jovem!

A boa notícia sobre é que, em geral, apresenta um bom prognóstico, ou seja, seu provável desenvolvimento futuro é favorável, sendo curado quando detectado precocemente. Mas não se engane, esse câncer também pode ser letal, com número de mortes em 395, segundo o Atlas de Mortalidade por Câncer de 2018.

Entre os principais fatores de risco para a ocorrência desse câncer, estão a criptorquidia (ausência de um ou dois testículos na bolsa escrotal, condição geralmente identificada durante uma consulta pediátrica na infância), histórico de lesões e traumas na bolsa escrotal, infertilidade ou subfertilidade, síndrome de Klinefelter, histórico familiar de câncer de testículo e a exposição a agrotóxicos.

Você conhece alguém da sua família com câncer de testículo?
Caso você tenha um pai com esse câncer, suas chances aumentam cerca de 4 vezes.
Caso você tenha um irmão com esse câncer, suas chances aumentam cerca de 8 vezes.

A maior parte dos casos de câncer de testículo é sintomática, ou seja, ela pode ser mais facilmente percebida pelo paciente ou parceiro sexual e, com isso, melhor informada ao médico. O relato consiste na presença de um nódulo ou inchaço no testículo, de consistência pétrea e geralmente indolor. A dor testicular é incomum, presente em apenas 10% dos casos. Sendo assim, destaca-se que o autoexame dos testículos é um hábito importante para o diagnóstico desse tipo de câncer.

Quando não percebida pelo paciente ou relatada ao médico (preferencialmente um urologista), ocorre como um achado inesperado em um exame físico durante a consulta ou de imagem (frequentemente em exames da região baixa do abdome e pelve). Ou então, quando em estágios mais avançados da doença, pelo acometimento à distância desse tumor, pela sua disseminação no organismo (metástases), comprometendo principalmente os pulmões, fígado, cérebro, ossos e rins.

O suspeita diagnóstica ocorre pela história clínica (relato e investigação) e pelo exame físico do paciente. Contudo, sua confirmação só ocorre por meio da ultrassonografia dos testículos e por exames laboratoriais que detectam os marcadores tumorais no sangue.

Diferentemente do câncer de próstata, a biópsia não é necessária para a confirmação diagnóstica do câncer de testículo.

O estadiamento da doença é fator determinante do acompanhamento do paciente, sendo o tratamento inicial sempre cirúrgico (75% a 85% de chance de cura). Comumente, a conduta é a retirada completa do testículo afetado. A quimioterapia ou radioterapia são reservadas aos casos de estágio avançado da doença, na presença de metástase.

Vale ressaltar que a função sexual ou reprodutiva do paciente submetido à cirurgia de retirada de testículo não é afetada, desde que um dos testículos não esteja afetado pelo tumor. Sendo assim, nos casos em que houver a retirada de ambos os testículos, a criopreservação de sêmen é uma boa opção a ser oferecida ao paciente.

CÂNCER DE PÊNIS

Pouco menos frequente que o câncer de testículo, o câncer de pênis também é um tumor raro. Responsável por 454 mortes em 2018 (Atlas de Mortalidade por Câncer), este tipo de câncer possui uma prevalência de cerca de 2% dentre todos os tipos de câncer que atingem o homem, no Brasil. Também apresenta predomínio em idades avançadas, na faixa etária entre 40 e 69 anos.

Diferentemente dos cânceres de próstata e de testículo, o que chama mais a atenção aqui é a estreita relação com o fator socioeconômico. Países ou regiões menos favorecidas, como o norte e nordeste do Brasil apresentam maior incidência de câncer de testículo. Relacionam-se à esta condição os demais fatores de risco, como a baixa escolaridade, má instrução de higiene íntima inadequada, associação com doenças sexualmente transmissíveis (principalmente o HPV – papiloma vírus humano).

Outros fatores são: fimose (estreitamento do prepúcio) e tabagismo. Consequentemente, as medidas preventivas apresentam ligação direta com os fatores de risco, ou seja, uma boa higiene da região genital (principalmente após as relações sexuais e a masturbação), a correção da fimose e a utilização de preservativos durante as relações sexuais são imprescindíveis para reduzir as chances de desenvolver a doença.

A boa higienização e o autoexame são essenciais na prevenção do câncer de pênis. Além de evitar o surgimento da doença também evitam procedimentos traumáticos como a cirurgia parcial ou até mesmo a amputação do pênis.

Os principais sinais que indicam forte suspeita do câncer de pênis são as feridas ou úlceras persistentes, bem como a presença de tumoração (aumento anormal de tecido) localizada na glande, prepúcio ou corpo do pênis. Concomitantemente, podem ser observados os sinais de má higiene, como a presença de secreção branca (esmegma) e mau cheiro. O surgimento de gânglios inguinais (ínguas na virilha) podem estar presentes, sendo estas um sinal de progressão da doença (metástase), sendo muito rara a ocorrência de metástases à distância. Sendo assim, é recomendado fortemente que os pacientes façam o autoexame e a higienização diariamente.

O diagnóstico é dado por exames clínicos, laboratoriais, radiológicos e por meio da biópsia. Quando realizado de forma precoce o tratamento, apresenta alto potencial de cura, contudo a maioria dos diagnósticos são dados em sua forma tardia, o que pode alterar o desfecho da doença. O tratamento depende da extensão local do tumor e acometimento ou não de linfonodos regionais. Os procedimentos podem variar desde terapias tópicas (pomadas, cremes) até tratamento cirúrgicos, acompanhados por braquiterapia (radioterapia interna) e quimioterapia. O diagnóstico tardio e a baixa procura por tratamento especializado fazem com que os desfechos sejam menos favoráveis, muitas vezes com necessidade de cirurgias mutiladoras que impactam fortemente na questão física, psicológica, na reabilitação funcional e na reintegração social desses indivíduos.

ENTENDENDO AS INDICAÇÕES DO RASTREAMENTO

INDICAÇÕES DE RASTREAMENTO

Após a leitura sobre os três cânceres exclusivos do homem, certamente você deve ter percebido a importância das medidas preventivas como determinantes na alteração da evolução da doença, não é mesmo?  Mas talvez você tenha se perguntado mais de uma vez se você deve ou não fazer o rastreio para essas doenças. Essa dúvida é comum entre todos os homens, visto que boa parte dos exames sugeridos trazem algum tipo de desconforto (físico e psicológico) ou até certo receio devido às medidas invasivas de alguns procedimentos. A resposta para cada um deles depende principalmente de um fator: o conhecimento e intimidade com seu próprio corpo!

Todos os cânceres evoluem de maneira lenta e, muitas vezes, silenciosamente no início da doença. Por isso, além de adotar as medidas preventivas, é fundamental conhecer detalhadamente o seu próprio corpo para que você seja capaz de perceber qualquer alteração, até mesmo as mais discretas. Por fim, também é muito importante que você tenha um bom conhecimento sobre a sua história familiar: procure saber sobre a saúde de seus parentes, principalmente daqueles de primeiro grau (pai, mãe e filhos). Com isso, as indicações para rastreio se tornam melhor direcionadas, evitando assim os incômodos desnecessários.

CONCEITO: RASTREAMENTO

Aplicação de exames ou testes em pessoas saudáveis, assintomáticas. A indicação é feita exclusivamente por dados estatísticos e epidemiológicos, estando indicada somente quando os benefícios superam os riscos e que não forneça morbidade significativa ao paciente.

CÂNCER DE PRÓSTATA

O Ministério da Saúde não recomenda o uso do rastreio para a detecção precoce, mas pode ser feito desde que sejam esclarecidos os riscos e benefícios ao paciente, sendo que esta decisão sempre é feita de maneira individualizada.

O toque retal e a dosagem do PSA sugerem o diagnóstico, mas não confirmam.

Apenas a biópsia é a responsável por dar o diagnóstico da doença, mas é um processo invasivo.

CÂNCER DE TESTÍCULO

Não há indicação de rastreio para população geral.

Não há evidência científica de que o rastreamento do câncer de testículo traga mais benefícios do que riscos e, portanto, até o momento, ele não é recomendado.

CÂNCER DE PÊNIS

Não há indicação de rastreio para população geral.

Não há evidência científica de que o rastreamento do câncer de pênis traga mais benefícios do que riscos e, portanto, até o momento, ele não é recomendado.

Referências: 

Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

National Comprehensive Cancer Network (NCCN). NCCN Clinical practice guidelines in oncology.

Diretrizes de tratamentos oncológicos recomendados pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC)

Por Vitor Yukio Ninomiya

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