Constituição Federal garante direito de ir e vir, mas estados e municípios têm autonomia para decidir medidas de restrições contra a Covid-19
Como medida para conter a propagação da Covid-19, estados e municípios têm adotado lockdown e toque de recolher. O descumprimento pode acarretar em multa para o cidadão ou estabelecimento, todavia, a regra é inconstitucional. A Constituição Federal garante o direito de locomoção a todo indivíduo. Em contrapartida, é comprovado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que o isolamento social e medidas de restrição são eficazes para diminuir a disseminação do vírus.
Surge uma dúvida: se a Constituição Federal ampara o direito à liberdade, mas estados e municípios decretaram toque de recolher, qual medida obedecer? Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu autonomia a cada unidade federativa para que decidam qual a melhor forma para conter o vírus, seja decretando lockdown ou toque de recolher.
O consultor jurídico da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Ricardo Hermany, reforça a medida adotada pelo STF. “Temos o direito à saúde, mas também temos o direito à vida, e acima disso, todos são responsáveis para tentar prevenir a disseminação do vírus. Dessa forma, as medidas de isolamento são a melhor escolha decretadas por cada estado ou município”, pontua.
No dia 19 de março, o presidente Jair Bolsonaro entrou com uma ação no STF em que compara as medidas criadas pelos governadores do Distrito Federal, Bahia e Rio Grande do Sul para conter a pandemia com o estado de sítio, uma situação excepcional prevista pela Constituição. Segundo o presidente, não há previsão legal para o toque de recolher que tem sido adotado em alguns estados.
Durante transmissão ao vivo nas Redes Sociais na última sexta-feira (19), Bolsonaro havia anunciado que entraria com a ação para conter “abusos” dos governadores. “Entramos com uma ação hoje, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, junto ao STF, exatamente buscando conter esses abusos, entre eles o mais importante é que nossa ação foi contra decreto de três governadores. Inclusive, no decreto, o gestor coloca ali toque de recolher, isso é estado de sítio, que só uma pessoa pode decretar, eu”.
Nesta terça (23), o pedido de Bolsonaro foi barrado no STF. Na decisão, o ministro Marco Aurélio considerou que não cabe ao presidente acionar diretamente o STF. Bolsonaro assinou sozinho a ação, sem representante da Advocacia Geral da União (AGU).
O ministro considerou a ação como um erro grosseiro. “O Chefe do Executivo personifica a União, atribuindo-se ao Advogado-Geral a representação judicial, a prática de atos em Juízo. Considerado o erro grosseiro, não cabe saneamento processual”, escreveu o ministro em sua decisão.
Estados e o Lockdown
Lockdown é a versão mais rígida do distanciamento social, que consiste em restringir a circulação da população em lugares públicos, permitindo apenas, e de forma limitada, para questões essenciais, como ir a farmácias, supermercados ou hospitais. Toque de recolher é quando o cidadão precisa se manter dentro de casa por um determinado horário.
São Paulo, Distrito Federal e Bahia estão entre os 16 estados que aderiram ao toque de recolher. Em São Paulo a restrição começa às 20h e encerra às 5h. Parques e praias estão fechados, restaurantes e lanchonetes só podem funcionar com delivery. Missas, cultos religiosos e jogos de futebol estão suspensos. A capital paulista também antecipou feriados a partir desta sexta-feira (26) até domingo (4).
O Distrito Federal está multando em R$2 mil quem desobedece o toque de recolher que dura das 22h às 5h, inclusive para a circulação de pessoas nas ruas. O comércio considerado não essencial permanece fechado. Já o estado baiano inicia o toque de recolher das 18h às 5h. Serviços não essenciais permanecerão fechados até as 5h do dia 29 de março. Missas religiosas podem ocorrer, limitando a capacidade do local a 30% e respeitando os protocolos sanitários.
O secretário-executivo da Frente Nacional de Prefeitos, Gilberto Perre, alega que as medidas restritivas de precaução são importantes para conter a disseminação do vírus da Covid-19. “Os prefeitos sabem que a população quer usufruir da liberdade de ir e vir mas, no momento, é melhor e também recomendável ficar em casa sob pena de vermos aumentar ainda mais o número de mortes no país”, diz.
O governador da Bahia, Rui Costa, completa que as ações são necessárias para garantir atendimento à população. “As medidas restritivas visam conter a disseminação do vírus garantindo a dignidade no atendimento hospitalar. Vamos continuar trabalhando para que esses dias possam acabar logo.”
Estado de sítio não é lockdown
O estado de sítio é uma situação excepcional prevista pela Constituição para a defesa interna do país em caso de instabilidade institucional devido à crise política, militar ou de calamidade natural, como um desastre ambiental de grandes proporções. O presidente é quem solicita autorização para decretar a medida, porém, o Congresso Nacional deve decidir por maioria absoluta.
Durante um estado de sítio, o governo pode estabelecer interceptação de comunicações, controle da imprensa, proibição de reuniões de grupos de pessoas, detenção e busca e apreensão sem autorização judicial e requisição de bens de particulares. No Brasil, a duração é de 30 dias, e só pode ser estendido em casos de guerra.
As medidas de lockdown para conter a pandemia são situações de natureza diferentes. Geralmente instituídas com fechamento de comércios, igrejas, escolas, parques, proibição de eventos, distanciamento social e até horário para não circulação nas ruas. Alguns estados aplicam multas para quem desrespeita a regra, e prisões podem ocorrer.
Tanto na Constituição Federal quanto na Lei 13.977/2020, que trata sobre medidas adotadas para enfrentamento da Covid-19, não mencionam que o cidadão que estiver transitando durante o lockdown pode ser preso. Porém, com a autonomia de estados e municípios durante a pandemia, essa possibilidade pode se tornar real.
“De acordo com o código penal, a pessoa detida pode pegar até 5 anos de prisão. Mas nesse caso de desrespeito, ela provavelmente será solta. Mas isso não a isenta do processo, ela vai responder judicialmente. O melhor é permanecer em casa”, explica o consultor jurídico da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Ricardo Hermany.
Outra questão que costuma causar indignação é o fato de muitos comerciantes terem que baixar as portas para evitar aglomerações, enquanto o transporte público brasileiro costuma ser lotado. Hermany acredita que vários fatores precisam ser ajustados. “É necessário uma gestão no transporte público, conscientização da população, ficar em casa sempre que possível, não apenas durante o toque de recolher. Quanto mais distanciamento, melhor.”
A docente do curso de saúde coletiva da Universidade de Brasília (UnB), Carla Pintas, explica que manter serviços não essenciais gera uma maior circulação de pessoas em transportes públicos e nas ruas, impedindo assim, a diminuição nos casos de Covid-19.
Ainda de acordo com a especialista, o lockdown ideal seria de pelo menos 15 dias com o fechamento de todos os serviços. “Precisamos evitar todo e qualquer tipo de circulação de pessoas, pois isso significa que a carga viral também está circulando.”
A conscientização da população atrelada a medidas preventivas estabelecidas pelos gestores pode acarretar na diminuição do vírus da Covid-19, e assim, trazer de volta a rotina de todo cidadão.
GIRO DE NOTÍCIAS / Brasil 61 / Agência do Rádio