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A Confederação Nacional da Indústria (CNI) publicou, na quarta-feira (23), um manifesto em que expressa preocupação com os cortes orçamentários impostos às agências reguladoras brasileiras. No documento, assinado pelo presidente Ricardo Alban, a CNI defende a revisão imediata da decisão do governo federal que impôs contingenciamentos severos às autarquias. Segundo a entidade, a redução orçamentária compromete a capacidade operacional e a oferta de serviços essenciais à população e à economia.
Os cortes fazem parte do bloqueio de R$ 31,3 bilhões no orçamento federal de 2025, anunciado em maio pelos ministros Fernando Haddad, da Fazenda e Simone Tebet, do Planejamento e Orçamento, como parte do cumprimento do novo arcabouço fiscal. As agências reguladoras ligadas à infraestrutura foram impactadas com cerca de 25% de seus orçamentos contingenciados.
“A indústria está profundamente preocupada com a situação orçamentária das agências reguladoras e demais autarquias federais. São instituições de Estado que proveem serviços essenciais para o funcionamento da economia brasileira”, afirma Maria Carolina Correia Marques, gerente de Estratégia e Competitividade da CNI.
Ela ressalta que, mesmo antes dos cortes recentes, muitas dessas agências já enfrentavam dificuldades. “As agências nacionais de petróleo, de águas, de vigilância sanitária têm sofrido há anos cortes orçamentários, têm experimentado aposentadoria de servidores sem reposição de quadros e têm tido aumentos significativos na sua carga de funções. Sem a atuação das agências, a economia brasileira pode parar, e eu não estou exagerando”, alertou.
Segundo a especialista, apesar de apoiar o equilíbrio fiscal, a CNI defende que o ajuste não deve recair sobre funções essenciais. “A gente quer que o arcabouço fiscal seja cumprido e a gente reforça que isso não pode vir por aumentos de tributo, porque a indústria já é excessivamente tributada e isso prejudica a nossa competitividade; mas o ajuste de contas não pode ser feito em cima dessas funções essenciais de serviços públicos prestados pelo Estado brasileiro. A gente precisa de uma revisão profunda dos gastos públicos que olhe para os gastos obrigatórios”, concluiu Maria Carolina Correia Marques.
Cortes orçamentários: cenário das agências reguladoras
Entre os casos mais críticos está o da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), que anunciou que a restrição orçamentária vai reduzir drasticamente as atividades de fiscalização, interromper o serviço de ouvidoria e limitar o horário de funcionamento da autarquia. A ANEEL tinha dotação de R$ 155,6 milhões e teve contidos R$ 38,6 milhões.
“Ao reduzir a fiscalização da manutenção das redes de distribuição e subestações, da qualidade do atendimento emergencial, dos projetos e obras de reforço e expansão, da operação do sistema e do desempenho dos equipamentos de distribuição, aumenta-se a insegurança energética para a população e a indústria”, pontuou o manifesto assinado pela CNI.
Já a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que havia dotação de R$ 140,6 milhões e teve contidos R$ 34,9 milhões, informou a adoção de medidas emergenciais, como a redução dos recursos destinados à fiscalização, a suspensão de diárias e passagens, bloqueio de contratos e adiamento de cursos e reuniões técnicas. Autarquia suspendeu ainda o Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis. “Tal medida ocorre justamente quando se observa uma escalada do mercado irregular de combustíveis. A história recente nos alerta: a taxa de não conformidades na qualidade de combustíveis aumentou em 40% em 2024, quando comparado a 2023. A ausência de fiscalização não apenas expõe o consumidor a produtos de má qualidade, com riscos à segurança veicular e à saúde, bem como dá margem à concorrência desleal, em desfavor da atividade regular e da arrecadação de tributos”, destacou a CNI no documento.
A tabela abaixo aponta a distribuição, por agência reguladora, das medidas de contenção das despesas discricionárias (RP 2 e RP 3):
Órgão | Dotação (R$ mi) | Contenção | Contingenciamento | Bloqueio |
---|---|---|---|---|
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis | 140,6 | -34,9 | -27,7 | -7,2 |
Agência Nacional de Energia Elétrica | 155,6 | -38,6 | -30,7 | -7,9 |
Agência Nacional de Mineração | 115,8 | -28,7 | -22,8 | -5,9 |
Agência Nacional de Vigilância Sanitária | 238,8 | -59,2 | -47,1 | -12,2 |
Agência Nacional de Saúde Suplementar | 123,8 | -30,7 | -24,4 | -6,3 |
Agência Nacional de Transportes Terrestres | 298,6 | -74,1 | -58,9 | -15,2 |
Agência Nacional de Telecomunicações | 295,2 | -73,3 | -58,2 | -15,0 |
Agência Nacional do Cinema | 45,0 | -11,2 | -8,9 | -2,3 |
Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico | 194,8 | -48,4 | -38,4 | -9,9 |
Agência Nacional de Transportes Aquaviários | 61,2 | -15,2 | -12,1 | -3,1 |
Agência Nacional de Aviação Civil | 120,8 | -30,0 | -23,8 | -6,1 |
Fonte: Gov.br
Cortes orçamentários: possível recomposição
Diante da pressão de diversos setores, o governo anunciou a liberação de R$ 20,6 bilhões em despesas antes bloqueadas. Em entrevista coletiva, o secretário-executivo do Ministério do Planejamento e Orçamento, Gustavo Guimarães, afirmou que a recomposição do orçamento das agências reguladoras será considerada no próximo decreto de programação orçamentária, previsto para o dia 30 de julho.
“A gente já fez, ao longo do bimestral, alguns ajustes para poder suplementar essas agências e, obviamente, vai estar dentro desse nosso processo decisório a importância de retornar com parte ou a totalidade, a depender do caso, para as agências, sim. A gente tem um olhar especial para a situação, não tem como antecipar aqui, mas se espera que as agências e outros órgãos que estão em situações que são importantes, a gente recompor. Eles vão ser considerados nesse decreto do final do mês”, disse Guimarães.
A equipe econômica já reduziu a previsão de contingenciamento de R$ 31,3 bilhões para R$ 10,7 bilhões, mas o detalhamento sobre quais áreas terão recursos recompostos ainda não foi divulgado.
Cortes orçamentários: defesa institucional
Para a CNI, o papel das agências reguladoras é fundamental para garantir a segurança jurídica, a previsibilidade regulatória e a eficiência na prestação de serviços públicos. “Os sucessivos contingenciamentos orçamentários têm comprometido a operação, a fiscalização e a capacidade técnica das agências. A ausência de fiscalização não apenas expõe o consumidor a produtos de má qualidade, com riscos à segurança veicular e à saúde, bem como dá margem à concorrência desleal, em desfavor da atividade regular e da arrecadação de tributos”, afirma o manifesto.
A entidade também defende que as agências tenham autonomia financeira e que seus orçamentos não sejam alvo recorrente de cortes que afetam o funcionamento regular das instituições.
A CNI tenta articular, junto ao governo federal e ao Congresso Nacional, a reversão dos cortes e a discussão sobre a governança orçamentária das agências reguladoras, consideradas pilares técnicos da administração pública brasileira.
Fonte: Brasil 61